segunda-feira, 18 de julho de 2011

O que me sustenta


Enzo, meu amado, além do meu agora e de alguns planos para o futuro, o que me sustenta são algumas lembranças do passado. Tenho muitas relacionadas a seu pai que me ajudam no sentido de eternizar o amor que nutro por ele. Entenda que por eu amar Daniel, não tenho a menor intenção de retê-lo aqui. Quero mais é que ele voe, porque o verdadeiro amor não pressupõe algemas e onde quer que ele esteja, eu estarei nele e ele, em mim. A morte física só separa os que não sabem amar. Guarde bem isso.

Lembro-me de Daniel puto porque minha mãe e tia Nice ainda impunham a ele ir à famosa Missa das Crianças aos sábados. Houve até um tempo em que a missa tinha lá seus encantos, mas depois que a gente passa a ver a igreja com olhos mais maduros, sabe que há também muita hipocrisia (fazer o quê? Uma instituição humana não pode ser, de todo, santa). Pois bem, eu e sua tia Mile já éramos um tanto hereges e Dan, espírito livre, também não conseguiu se moldar aos ditames católicos apostólicos romanos. A forma que ele tinha de protestar contra as imposições religiosas era fazer várias paródias (sacanas) das músicas de Padre Zezinho. Eu curto o pioneiro padre cantor, mas era irresistível presenciar seu pai cantando aquelas adaptações e não me descontrolar de tanto rir. Tinha uma música mesmo que era assim: “Há um barco esquecido na praia”. Daniel cantava “Há um barco esquisito na praia” – essa era uma das versões mais suaves, as demais são impublicáveis he he he.

Lembro-me também de quando eu, ele e Mile passávamos as tardes vendo a Sessão da Tarde com aqueles filmes repetidos e batidíssimos que sempre nos encantavam. O deleite estava em estarmos juntos e sempre eu fazia mingau de chocolate para nós três... A gente “se lavava”. Era delicioso! Não podia deixar de registrar além das tardes achocolatadas, as brigas que tínhamos para equalizar a distribuição de nhoques entre os três. Hoje ainda sou louco por esse prato, mas era bem mais engraçado – e até mesmo mais gostoso – quando o comia com seu pai e sua tia.

Num dia estávamos na casa de João Paulo (Bobó), em Berlinque. Eu, Dida, Bobó, Raimundo e um amigo de Raimundo que era uma autoridade. Tomávamos cerveja, comíamos tira-gostos e falávamos de política. A autoridade começou a tirar onda e a dizer algumas bobagens que deixaram meu irmão indignado. Chegou um momento em que o cara já tinha falado tanta asneira, que Daniel, sem se alterar disse pro homem: “Vá tomar no c... que não é assim que a banda toca”. Todos ficamos mudos, o indivíduo ficou sem chão e Dan defendeu seu ponto de vista que foi definitivo pra encerrar aquela discussão estéril que não nos levaria a lugar algum.

Certa tarde, na Escola Aildes Almeida, onde fui professor dele, o cara se juntou a uns colegas e começou a bagunçar na minha aula. A galera ficou quieta e ele continuou. Foi aí que perdi a cabeça e o chamei de “Vagabundo”, ele, para variar, me mandou tomar naquele lugar, e eu o mandei se retirar da sala. Ele saiu transtornado. Eu fiquei mais ainda. Uma coisa que odiávamos era nos desentendermos. Ele foi pro pátio e dei aula a pulso, com o pensamento nele. Ao final da aula, fui procurá-lo, pedi desculpas, ele também me pediu, nos abraçamos e caímos no choro. Nunca mais nos desrespeitamos.

Rapaz, me lembrei agora de uma madrugada... Dan ainda nem sonhava em namorar sua mãe e estava ficando com uma menina linda. Eu havia perdido o sono e decidi levantar para estudar, quando ouvi uns gemidos estranhos do lado de fora. Imaginando que era algum ladrão, peguei um porrete, respirei fundo (estava ame borrando de medo, mas não ia deixar o suposto ladrão agir sem uma represália), acendi as luzes e abri a porta com tudo... Era nada mais, nada menos do que seu pai e a mina assustados e nus como vieram ao mundo. sorri sem graça, a menina se cobriu com a rede e ele, se acabando de rir, me disse: “Vá deitar, seu empata-foda!” – Rimos horrores depois.

No dia em que ele foi assaltado e os marginais o espancaram e roubaram-lhe o carro, fiquei doido. Eu estava morando em Areias e soube do episódio. Seus tios Beto e Mile deram cobertura inicial a ele na delegacia, na hora de prestar queixa, depois eu e sua tia Ci o amparamos para fazer o exame de corpo em delito, lanchar e consolá-lo. Como sou um cabra passional (hoje em versão um tanto melhorada), comecei a amaldiçoar os bandidos e conjurar Uns Amigos para que desgraçassem com a vida deles. Dani estava com a camisa rasgada, a bermuda suja, os pés imundos, o olho roxo do murro que tomou, todo lenhado por ter sido agredido pelos covardes e mesmo assim, afagou meu ombro e me disse: “Faça isso não. Eu não tinha nada que reagir”... Aquilo me desarmou! Como é que o cara que tinha sido lesado pelos FDP estava ali reconhecendo sua responsabilidade no resultado daquele infortúnio e eu ainda estava cheio de ódio querendo a cabeça de cada um? Resolvi pegar leve: Conjurei Meus Amigos pedindo que fechassem os caminhos dos fora-da-lei. No mesmo dia foram presos.

Eu sempre me surpreenderei com Daniel. Um homem normal, cheio de defeitos, repleto de virtudes. E te digo, Enzo, procure conhecer a vida do seu pai, procure não repetir as coisas que ele fez que causaram mal a ele e faça o possível para seguir seu exemplo nas coisas em que ele fez a diferença e foi Mestre: Liberte-se das amarras religiosas e dos preconceitos, seja altruísta, não se deixe acorrentar pelas ilusões da política, reconheça seus erros, ame intensamente e sem reservas, assuma suas responsabilidades. 

Amo-te, meu Príncipe.

2 comentários:

  1. Po TiTom, não vejo a hora de publicarmos o livro, de ver o nosso Projeto transformado em realidade, seré o melhor presente que poderíamos dar ao nosso Enzo.
    Tenho o maior orgulho de ter você e Dida como meus irmãos e diante dos nossos encontros que ocorreram no passado, queria ter a oportinidade de viver todos novamente, agora sei que só numa próxima vida.
    Seremos sempre: Tom, Mile e Dida.
    Amos vocês dois para todo o sempre.
    Mile

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  2. A gente vai se ver, sim - Os três. Te amo.

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